quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Rainbow: A obra-prima esquecida (Review: Rising)

Imagem relacionada

Certa vez, a bailarina e dançarina Twyla Tharp afirmou que "A arte é a única maneira de fugir sem sair de casa". Ou seja, a arte é o único veículo que capaz de nos transportar para as mais diversas realidades. Essa é a exatamente a sensação que se sente ao final dos trinta e três minutos de "Rising", do Rainbow: Fizemos uma grande viagem para diversos reinos da fantasia e da imaginação. O projeto de Ritchie Blackmore vinha de um debut mais simples e bem menos ambicioso, com faixas curtas e dentro do estilo Hard Rock que o consagrou no Deep Purple. Em seu segundo disco, a banda mudou de rumo e apostou em um estilo mais melódico e bem trabalhado, resultando no que hoje conhecemos como "Um dos mais importantes álbuns da história do rock/Metal", ou simplesmente "Rising".

"Rising" é um disco que fala por si só, é uma obra que merece ser apreciada com atenção. Não é apenas um conjunto de músicas, é uma aula de técnica, melodia e musicalidade que estavam bem a frente do tempo em que foram lançadas, no ano de 1976. Sim, há ainda canções mais "básicas", ao bom estilo da antiga banda de Blackmore,  mas aqui vemos uma maior influência de Ronnie James Dio nas composições, trazendo elementos mais épicos e melódicos para a sonoridade e para as letras do disco; que casaram muito bem com o Hard Rock de Blackmore . 

O resultado? Um álbum denso, bem trabalhado e muitas vezes esquecido ao se falar nos grandes clássicos do rock. É verdade, é um trabalho bem subestimado, mas não por isso menos importante. Aqui vemos diversos elementos que, mais trade, ajudariam a moldar o que hoje conhecemos como Metal melódico / Metal Sinfônico. 

DESTAQUES:

1) Tarot Woman

Uma aventura contagiante e com um ritmo envolvente. Assim podemos descrever a faixa de abertura de "Rising". "Tarot Woman" começa com uma introdução de teclado (Mais longa do que o necessário) que logo dá lugar ao simples e poderoso riff de guitarra, que, ao se juntar à bateria do grande Cozy Powell, cria um momento intenso e explosivo. O vocal de Dio entra com tudo e dá início à jornada, narrada em primeira pessoa: "I don't wanna go / Something tells me no, no, no" (Eu não quero ir, algo me diz não, não, não). A letra descreve uma profecia feita por uma cigana (Tarot Woman) ao personagem principal, dizendo que um garota irá arruinar a sua vida. Vemos partes da previsão em versos como "Her love is like a knife / She'll carve away your life" (O amor dela é como uma faca / Ela irá cortar a sua vida).

Musicalmente, a faixa é uma grande peça; com mudanças de ritmo, subidas de tom e um instrumental poderoso. A progressão de acordes é interessante ajuda a criar a atmosfera mística que envolve a letra. É uma faixa que progride tão naturalmente que o ouvinte nem percebe os quase 6 minutos de música passando. Como dito anteriormente, o riff é simples, composto basicamente de uma nota tocada em palhetada alternada, mas, como diriam certos artistas, "Menos é mais". O vocal é uma atração à parte, e já introduz a capacidade que Dio tem de adaptar perfeitamente a sua voz para a proposta que a música traz, que seria muito bem explorada em sua carreira solo, alguns anos mais tarde.

2) Starstruck

Podemos dividir "Rising" em três partes, como se fosse uma única grande peça: Uma introdução/Abertura, um intervalo e o grand finale. É nesse pequeno intervalo que se encontram três pérolas, todas com a mesma proposta. São elas: "Run With The Wolf", "Starstruck" e "Do You Close Your Eyes". Qualquer uma delas poderia ser escolhida para representar essa sessão do disco, mas escolhemos a faixa de número 3 por um simples motivo: Ela lembra em muitos aspectos os trabalhos de Blackmore com Ian Gillian no Deep Purple. Como não se lembrar de "Strange Kind Of Woman" ao ouvir a harmonia dos versos iniciais? É uma peça de Rock Clássico na sua melhor forma, sem adereços, apenas guitarra, vocal, baixo e bateria. Mas quem disse que isso não é o suficiente?


3) Stargazer

Aqui está o verdadeiro ápice do disco. Uma apoteótica peça de mais de 8 minutos que é capaz de arrepiar qualquer um que a ouça. Desde a introdução de bateria até o final, é uma faixa que prende o ouvinte até o último segundo do fade-out, e ainda deixa aquele "gostinho de quero mais".

Sua letra é muito bem construída e conta a história de um grande mago que tinha o desejo de voar para os céus, em busca de sua estrela.Para conseguir esse feito, obrigou seus escravos a construírem uma enorme Torre, causando a morte e o sofrimento de muitos, como visto em "Just to see him fly / So many died" (Só para vê-lo voar / Muitos morreram). Quando a torre finalmente é terminada, ele sobe ao topo e se joga de lá, caindo no chão ao invés de ascender aos céus, selando  assim  seu destino fatal. A parte lírica é bem descritiva, retratando as condições de trabalho e o sofrimento daqueles que foram designados a construir a torre, vemos isso em "In the heat and the rain / With whips and chains" (No calor e na chuva / Com chicotes e correntes). Também traz uma boa imagem do momento em que o mago sobe a Torre e cai lá de cima, em "All eyes see the figure of the wizard / As he climbs to the top of the world / No sound as he falls instead of rising / Time standing still / Now there's blood on the sand" (Todos os olhos veêm a figura do mago / Enquanto ele caminha para o topo do mundo / Nenhum som, quando ele cai ao invés de subir / O tempo está parada, agora há sangue na areia), tudo isso intepretado por Dio com grande maestria, definitivamente uma de suas melhores (Senão a melhor) performances vocais. 

(Essa é uma história pode ser entendida literalmente, mas também pode ser entendida como uma metáfora para falsos ídolos, aqueles que enganam seus seguidores com promessas e histórias falsas.).

"Stargazer" começa aparentemente comum, com um riff básico e bem construído, mas vai evoluindo gradativamente até o momento em que Ronnie dispara os versos "Oh, I see his face!". A partir daí a música toma um rumo inesperado, caindo numa ponte com sonoridade oriental e hipnótica que termina no majestoso refrão, recheado de teclados e com um grande trabalho vocal. Essa estrutura (Verso-Ponte-Refrão) se repete mais uma vez, porém, ao final do segundo refrão, a música sobe de tom e tem começo o solo de guitarra com uma sonoridade oriental típica de Blackmore (Já vista em músicas como "Stormbringer", do álbum homônimo do Deep Purple).

Depois de mostradas as habilidades e o virtuosismo do guitarrista, a música vai para uma seção bem interessante, em que ouvimos diversos crescendos consecutivos, que criam uma expectativa enorme e que acabam subitamente, dando lugar à estrutura que vimos no começo da música. Porém, dessa vez, essa estrutura se repete apenas uma vez, e aí começa o verdadeiro ponto alto de "Stargazer". 

Depois de "But why?" , vemos Dio se perguntando o motivo de aquilo ter acontecido, enquanto o tema principal se repete em loop . Vão sendo adicionados cada vez mais elementos à música; primeiro um teclado com som de coral e finalmente uma orquestra completa, que torna a faixa ainda mais grandiosa do que já é. Esse conjunto permanece tocando até o fim da música, com Dio narrando o ponto de vista de um dos escravos que agora que se encontra liberto, cheio de otimismo e esperança (como visto em "He gave me back my will" (Ele me deu de volta minha vontade) e "I see a Rainbow rising" (Eu vejo um arco-íris surgindo)), mas ao mesmo tempo destruído e confuso ("My eyes are bleeding" (Meus olhos estão sangrando) e "Look at my flesh and bone" (Olhe para a minha carne e osso)).


Não importa quantas palavras sejam usadas para descrever essa, ela é uma obra que precisa ser ouvida (mais de uma vez) para que seja compreendida em sua essência.

4) A Light In The Black

Mesmo não possuindo a inspiração e a grandeza de sua antecessora, "A Light In The Black" não é menos grandiosa e importante no contexto do disco (Afinal, ela foi a escolhida para fechá-lo).

Essa é uma história que se passa logo depois dos eventos da faixa anterior. A letra narra o que aconteceu ao escravo que ouvimos no final da música. Agora ele é um homem livre, está indo para casa, mas ainda se encontra conflituoso, se perguntando o porquê daquilo ter acontecido, como visto em "All my life it seems / Just a crazy dream / Reaching for somebody's star" (Toda a minha vida / Parece apenas um sonho maluco / Alcançando a estrela de alguém). As referências ao trágico final do mago são explícitas e vistas em versos como "Did he really fall?" (Ele realmente caiu?) e "Reaching for somebody's star" (Alcançando a estrela de alguém).

Musicalmente, ela é mais simples e mais rápida que "Stargazer", trazendo menos teclados e mais espírito de Hard Rock. Possui uma seção instrumental bem menor, num estilo que lembra muito as jams do Deep Purple. Possui um solo de teclado e um de guiatarra, que desembocam num tema (Aos 5 minutos e 42 segundos) que lembra muito os arranjos e os riffs de Metal Melódico que estamos acostumados a ouvir, com guitarras duplas que lembram muito a música clássica. Só aí já vemos a importância que esse disco tem na história e nos primórdios desse subgênero.

Sim, houve Helloween, houve Stratovarious, house Iron Maiden e houve Yngwie Malmsteen; mas antes disso houve o Rainbow, com suas orquestrações e épicos que só vieram a se repetir da mesma forma no final dos anos 80 e início dos anos 90. Não só nesse disco vemos essa atitude vanguarda. Em seu sucessor, "Long Live Rock N' Roll", temos "Gates Of Babylon" e "Rainbow Eyes", a primeira com sua boa exploração de elementos árabes e místicos, e a segunda com o seu uso de violinos e instrumentos folk (Já vistos em canções do Led Zeppelin), que mais tarde seriam consagrados em bandas como Nightwish e Elluveitie. Tudo isso antes da virada para a década de 80.

NOTA: 10

Nenhum comentário: